Preview



     PRÓLOGO



Era a segunda noite que Anya ia até a praia naquela semana. Aproveitava a “semana do saco cheio” na faculdade e ia ver o mar. Havia chovido muito na noite anterior e ela fora privada daquele momento.

Anya só podia sair à noite, pois possuía uma alergia aos raios UV desde criança. Ficar sem o sol a deprimia, mas encontrava alento na paisagem maravilhosa: o mar, a lua, as estrelas. Algumas pessoas passeavam pela orla com cachorros e alguns casais de namorados se enroscavam sentados em bancos junto à areia.

Anya respirou fundo e, sentada, puxou os joelhos de encontro ao peito apoiando queixo sobre eles. Acabara de completar vinte anos e estava no último ano da faculdade onde cursava gastronomia, mas era uma garota solitária, não gostava de “baladas” e as poucas amigas a chamavam de “cocooner”.

A brisa que vinha do mar tocava sua pele branca, como se uma mão suave a acariciasse. O que aconteceria se resolvesse sair de casa na manhã seguinte e se expusesse ao sol? Com certeza seu pai não deixaria, ele sempre trabalhou à noite para que durante o dia pudesse ficar com ela, dar-lhe atenção e ajudá-la a não se sentir sozinha. Sorriu balançando a cabeça. Aquele pensamento sempre invadia sua mente: sair ao sol.

Um aroma diferente chamou sua atenção naquela noite. Anya era uma apreciadora de aromas, tinha um olfato sensível e algo diferente mexeu com ela àquela hora. Seu sangue se agitou ao sentir uma mistura deliciosa de perfumes doces e azedos, um toque de açúcar e sal. Olhou ao redor tentando descobrir de onde vinha. Algumas pessoas caminhavam pela areia naquele início de noite de lua cheia, mas nenhuma delas transmitia aquele perfume. Procurava alguma barraquinha na praia, mas não havia nada por ali àquela hora. Ansiosa, voltou para casa e aquele perfume a acompanhava. Pegou uma panela de cobre que mantinha dependurada em uma coifa de inox sobre o fogão, precisava decifrar aquele aroma...

“Agridoce...”, ela pensava nos ingredientes apelando para sua memória olfativa. Quando seu pai chegou, já passava das onze horas e a encontrou diante do fogão com as bochechas rosadas, os cabelos presos em um coque alto e alguns fios pendiam sobre sua testa. Curioso, ele perguntou se era alguma experiência para a faculdade, ao que ela respondeu que era uma experiência pessoal. Anya foi para a cama de madrugada, atormentada pelo aroma que não decifrara.

O dia seguinte se arrastou de forma irritante. Seu pai foi obrigado a comparecer a uma reunião na universidade e ela ficou sozinha. Andou pela casa, experimentou mais algumas receitas, pesquisou na internet e em seus livros as possíveis combinações para encontrar aquele aroma.

No início da noite ela correu para a praia na esperança de que o vento trouxesse aquele aroma novamente até ela. O que a estava irritando era que a simples lembrança daquele perfume a fazia sentir água na boca... Ficou sentada na praia por mais de duas horas e já desanimada olhava para a espuma branca das ondas que quebravam na areia. Não acreditava sentir aquele aroma novamente.

Suspirando se levantou batendo a mão na calça jeans para tirar a areia, quando aquele aroma chegou trazido pelo vento. Ela correu os olhos pela praia, procurando a origem daquele aroma e começou a andar aflita pela areia. Chegava a se assemelhar a um cão perdigueiro em busca da caça, usando seu apurado e sensível olfato.

O perfume ficou mais forte e ela sentia a ansiedade da aproximação, mas ainda não descobrira sua fonte. Olhou na direção do mar e prendeu a respiração. Um jovem, com um corpo maravilhoso, saía da água depois de nadar... Ele balançou a cabeça a fim de tirar o excesso de água dos cabelos lisos e Anya não acreditava... o aroma vinha dele! Não havia dúvida!

Seu coração acelerou e ela sentiu o rosto esquentar. Era uma garota tímida, recatada, mas seu corpo a impulsionou na direção daquele belo homem que chegava à areia. O perfume dele, uma mistura de doce e salgado fazia o corpo inteiro dela vibrar. Anya se surpreendeu consigo mesma quando se colocou sedutoramente diante do rapaz, que, parecendo surpreendido, a olhou com um brilho divertido nos olhos verdes.

O impulso foi maior do que a vergonha ou a razão e Anya, sem dizer uma palavra sequer, passou a mão pelo belo corpo dele e encostou o nariz em sua pele... Era o aroma que a atormentava! Como em filmes que assistira, Anya colou seu corpo ao dele e ele a puxou de volta para a água... O cheiro da pele dele se acentuou e o sal estava na medida certa. A sensação olfativa era maravilhosa, mas ela tinha que experimentar... Ela o beijou no peito e no pescoço, sentindo o sal em sua língua, então... o mordeu até sentir que a pele dele rasgava sob seus dentes...

Estava ali o sabor que tanto procurara, o doce sangue que a fez pensar em frutas flambadas, temperado com o sal da água do mar, a perfeição... o sabor agridoce...


O DESPERTAR

Anya sentiu ânsia, um bolo que cresceu em seu estômago, algo que queimou seu esôfago. Sentiu uma pressão no peito. Um sopro quente entrou pela sua boca. Seu sangue parecia estar espesso demais enquanto corria desesperadamente por suas veias. Todo seu corpo latejava. A ânsia aumentou e um líquido quente saiu por sua boca, fazendo-a tossir.

- Graças a Deus! – ouviu uma voz abafada em sua cabeça, mas não conseguiu abrir os olhos. Todo seu peito queimava.

- Afastem-se, por favor! – uma voz grave falou alto muito perto dela. Anya podia sentir aquele hálito quente em seu rosto. Uma mão úmida a tocou na bochecha. – Moça, moça... está me ouvindo?

Ela não conseguia responder, só conseguiu tossir expelindo mais água. Sentiu que seu corpo era erguido do chão e ela foi deitada numa superfície dura. Alguém tocou em seu rosto e algo foi colocado sobre sua boca e seu nariz, jogando um ar fresco que encheu seus pulmões. Falavam com ela, mas ela não estava compreendendo nada.

- Pro hospital! – uma outra voz ecoou e Anya sentiu algo perfurando a pele do seu braço, um líquido gelado se misturou ao seu sangue, que fluía rápido e quente como a lava de um vulcão. O som estridente de uma sirene fez sua cabeça doer, mas logo foi ficando distante, enquanto seu corpo relaxava...

Uma luz suave brilhava diante de seus olhos e no meio dela apareceu aquele exemplar divino de homem. O corpo molhado, a água escorria pelos ombros largos e pelo peito como que acariciando aqueles músculos perfeitamente delineados. Ele sorriu. O sorriso era perfeito, os dentes brancos e o queixo másculo... Ele a encarou. Os olhos eram verdes escuros. Ele balançou o cabelo para se livrar da água, cabelos na altura dos ombros... Definitivamente ele era lindo! Mas nada se comparava ao aroma que ele exalava... o perfume, a mistura perfeita de aromas doces e azedos... Era perfeito! Agridoce!

Aquele perfume não só mexia com seu olfato, mas brincava com todos os seus sentidos... sua boca se encheu de água, suas mãos tremeram, todas as veias do seu corpo pulsaram... Não iria aguentar! Ela precisava experimentá-lo! Caminhou hipnoticamente na direção daquele Adônis, que sorriu para ela e sumiu... Ela gritou...

- Fique calma, filha. – a voz mansa de seu pai tentou acalmá-la, enquanto ele acariciava seu rosto.

Anya abriu os olhos. O ambiente estava fracamente iluminado, as cortinas fechadas, e ela sentiu o pai segurando sua mão. Olhou para ele e encontrou seus olhos preocupados e cansados. De repente parecia tão mais velho! Os cabelos castanhos claros iluminados pelas mechas prateadas. Os óculos quadrados escondendo ligeiramente as olheiras e os olhos castanhos escuros.

- Pai. – sentiu a garganta queimar quando falou.

- Está tudo bem agora, filha. – o tom macio, carinhoso, não conseguia disfarçar a preocupação que ele sentia.

Anya olhou para o teto branco e lentamente começou voltar à realidade. O que teria acontecido? Como fora parar ali? Por que sentia sua garganta queimando tanto? Por que sentia o sangue fluindo com dificuldade pelo seu corpo? E que cheiro era aquele? Parecia que estava na cantina da faculdade! Havia uma mistura de aromas que a deixou imediatamente enjoada... Engoliu com dificuldade...

- O que... aconteceu? – a pergunta nasceu fraca e a voz nem parecia ter saído dela.

O pai acariciou seus cabelos e respirou fundo antes de responder.

- Você...se afogou... – os lábios dele se contraíram tornando-se uma linha fina e tensa. Sua aparência era de cansaço

- Me afoguei? – Anya perguntou assustada. Aquilo era inacreditável! Nem se lembrava de ter ido à praia!

- E eu que pensei que você soubesse nadar! – ele brincou, mas a preocupação não deixou seus olhos.

- Eu não me lembro de ter ido à praia! – estava angustiada e nervosa. Tentou sentar na cama. – E que cheiro é esse? – ainda sentia aquela mistura desorganizada de aromas. O que estava acontecendo com ela? Isso nunca acontecera com ela antes! Estaria doente? Algum distúrbio mental?

Seus olhos se voltaram para a enfermeira que entrou no quarto. Era uma mulher de meia idade, com cabelos que começavam a exibir fios grisalhos e eram cortados bem curtos. Anya viu o crachá com o nome Denise.

- Que bom que acordou! – a enfermeira aproximou-se da cama com um sorriso e fez um ajuste no dosador de soro que era, lentamente, injetado em Anya através de um cateter que terminava em uma agulha espetada em seu braço. – Já bebeu água? Precisa se hidratar! – ela disse pegando um copo que estava sobre a mesinha ao lado da cama e o enchendo de água. Depois, o estendeu a Anya.

Lentamente, Anya bebeu a água, mas sua garganta arranhava muito e ela acabou engasgando e tossiu.

- Devagar... é assim mesmo! A água salgada provoca estragos na garganta... – ela disse enquanto pegava de cima de uma bandeja de inox, um termômetro. Anya estava confusa, havia um cheiro forte no ar, era um perfume bem doce que fazia sua boca se encher de água e seu sangue agitar-se demasiadamente. Tentou definir o aroma. Era cheiro de...

- Torta de maçã... – a constatação saiu como um sussurro, mas foi ouvida pela enfermeira, que a olhou surpresa e com estranheza.

- O quê?

- É... cheiro de torta de maçã... – Anya sentia seu corpo pulsar e sua boca se encheu de água.

- Está com fome, filha? – o pai se aproximou da cama.

- Não... sei... é que esse cheiro... – suas narinas pareciam querer decifrar um cardápio.

- Cheiro? – Denise olhou para as próprias roupas impecavelmente brancas e cheirou discretamente a manga da blusa. – Não... estou sentindo...

Controlando a salivação que sentia, Anya desviou o rosto e fitou a janela. Estava ficando louca, só podia ser isso! Primeiro quase morrera afogada e sequer se lembrava de ter ido à praia e agora esse aroma, esse cheiro de comida com algo mais...

Denise não disse nada, mas ficou surpresa pela jovem ter adivinhado que ela comera torta de maçã aquela manhã. Enquanto esperava o termômetro “apitar” aproveitou para verificar se não havia deixado cair algo em sua roupa e testou seu hálito, apesar de que havia escovado os dentes depois de ter comido. O termômetro avisou que já medira a temperatura e Denise olhou o resultado, 39 graus, a jovem estava com febre, mas seu corpo não estava quente. Verificou o pulso, 59 bpm, baixo para a idade, mas a jovem parecia bem, apesar de estar um pouco pálida. Mediu a pressão, 11 por 7. Registrou tudo na ficha de Anya e saiu para comunicar ao médico.

- Pai? – Anya sentiu-se mais aliviada quando a enfermeira saiu e aquele aroma saiu com ela. Edgar ajeitou os óculos e olhou para ela. – Eu... estou ficando louca? – perguntou afundando a cabeça no travesseiro.

O pai riu e acariciou seu cabelo.

- Não, filha... acho que só está um pouco estressada. Tem estudado muito! – procurava tranquilizá-la. Realmente ela era muito dedicada aos estudos e nas últimas semanas não havia saído do laboratório e de cima dos livros. Estava no último ano do curso de gastronomia e tinha muito o que fazer, inclusive uma monografia. Ele era professor universitário e lecionava sociologia na mesma faculdade onde ela estudava.

- Mas... não me lembrar de que fui à praia? – falou irritada. – Será que não é Alzheimer? – seus olhos se arregalaram assustados. O pai riu de novo.

- Claro que não, Anya! Você é meio desligada... mas é muito nova pra essa doença...

- Seria só mais uma na lista... – ela suspirou desanimada.

Edgar a olhou preocupado. Havia muita coisa sobre as quais ele não tinha certeza nenhuma, mas não estava disposto a arriscar. Uma delas era a possível solar dermatitis severa, herdada da mãe e que a impedia de receber raios UV, mas não era realmente esse o problema... Edgar foi despertado pela chegada do médico, antes que as lembranças amargas começassem a vagar em sua mente.

- Bom dia! – o médico era jovem, com cabelos castanhos claros, o rosto bem barbeado e quando sorriu duas covinhas apareceram em seu rosto. Ele apertou a mão de Edgar. – Sou doutor Dante, estou substituindo o doutor Pereira que teve um pequeno contratempo. – explicou e foi até a cama. – Como se sente? – ele sorriu olhando para Anya. – Tá com muito gosto de sal na boca? – brincou e segurou no pulso dela medindo seus batimentos.

- Estou bem. – o sangue ferveu em suas veias. Podia sentir um cheiro de café preparado bem forte e de cigarro, mas não era isso que chamava sua atenção. O que a incomodava eram os olhos dele. Curiosos, brilhantes, verdes e incrivelmente familiares...

- Não está nervosa? – Dante estranhou a pulsação baixa dela. Já tinha visto o registro da enfermeira, mas precisava checar para ter certeza.

- Quero ir para casa. – ela falou simplesmente.

- Hum... sei... – ele fez uma careta e colocou o estetoscópio nos ouvidos. – Pode se sentar um pouquinho? – ela sentou e ele encostou o instrumento nas costas dela, enfiando-o por debaixo da camisola e ficou auscultando por um tempo, mudando o aparelho de lugar e havia algo estranho ali. Ele segurou no rosto dela, era delicado, a pele era macia e a boca, pálida, era desenhada com lábios carnudos... Concentrando-se no que devia fazer, Dante pediu para que ela abrisse a boca e colocou um palito sobre a língua e iluminou sua garganta com uma pequena lanterna.

Anya sentiu os dedos quentes dele em sua pele e seu coração deu um salto no peito e sua boca se encheu de água. Podia sentir o gosto dele... era café e um aroma de... pimenta?

- Ainda está um pouco irritada... – Dante falou baixo e mirou a lanterna dentro dos grandes olhos castanhos dela. – Se sente quente? – colocou a mão sobre a testa dela e ela negou – Tonturas? – ela negou novamente. – Enjôos? – novamente a negativa. Ele pediu que ela colocasse o termômetro debaixo do braço. Enquanto isso verificava seu pescoço, tentando detectar algum gânglio. – Está com fome?

A última pergunta dele a fez estremecer e Anya não sabia por que! Se era pela palavra fome, pelo sorriso com aquelas covinhas ou pela mão macia e quente em seu pescoço. Na verdade ela queria comer, mas seu olfato estava confuso, os aromas se misturando novamente. Dante sentiu que ela estremeceu debaixo dos dedos dele.

- O que foi? – a olhou levantando a sobrancelha.

- Na...nada... – Anya respirou fundo, mas sentiu um perfume adocicado e seu sangue se agitou dentro do corpo novamente.

Dante ficou intrigado. Retirou o termômetro e verificou que ela estava com febre, 39 graus, mas o corpo dela não estava quente. Talvez uma febre interna, o que provocaria aquele estremecimento súbito. Mas havia ali uma incompatibilidade clínica...

Ele a analisava curioso. Se ela estivesse com febre interna, aqueles belos e grandes olhos castanhos estariam vermelhos, mas não! Os olhos estavam límpidos, brilhavam e pareciam querer hipnotizá-lo, controlá-lo... Uma sensação estranha tomou conta dele. Ao mesmo tempo em que sentiu o desejo crescer em seu corpo, suas vontades estavam sendo minadas, subjugadas... Balançou a cabeça e desviou o olhar.

- Ela está bem, doutor? – Edgar, que estivera observando o exame, perguntou ao lado da cama. A verdade é que ele temia as possíveis respostas.

- Está... com... um pouco de febre... – Dante falou devagar e com o olhar confuso. Edgar sentiu seu estômago retrair. Ele já vira aquela expressão antes, muitas e muitas vezes... – Vou... pedir um exame de sangue para ver se não está com alguma infecção. – concluiu e, com as mãos trêmulas, colocou o termômetro no bolso do jaleco. Evitou olhar novamente para ela e se concentrou nos registros em sua prancheta. – Tem alguma doença cardíaca? – analisava as informações no papel.

- Não. – Anya o olhava confusa e reparou que ele apertou a caneta com força entre os dedos, sentiu que ele lutava com alguma coisa, assim como ela.

- Aqui... diz que é alérgica ao sol... é isso? – perguntou e preferiu olhar para o pai dela.

- É o que sempre soube. – Anya olhou para o pai. Aquela informação sempre fora motivo de discussão entre os dois, pois ela acreditava que aquilo não era possível, mas o pai afirmava que ela herdara aquilo da mãe e mostrava um laudo assinado por um médico, velho amigo da família, atestando que Anya era portadora do mesmo problema. E ela nunca teve coragem suficiente para testar a veracidade daquilo. Nunca saíra no sol... Seu pai conseguira uma autorização especial para que estudasse em casa quando era pequena e uma professora ia à sua casa para ensiná-la. E depois... só estudava à noite. As janelas de sua casa viviam fechadas durante o dia, cobertas com pesadas cortinas escuras...

- É alérgica a algum medicamento? – Dante continuava o interrogatório.

- Não que eu saiba... – ela respondeu já sem vontade. Aquilo não ia acabar nunca?

- Fuma?

- Não.

- Bebe?

- Socialmente. – ela falou irônica e viu um leve sorriso se desenhar no rosto dele.

- É dependente química?

- Não! – Anya riu nervosa. Por que aquela pergunta sempre tinha que aparecer? Ela tinha cara de quem usava drogas? Não! Com certeza! Foi categórica em pensamento.

- Tentou se matar?

A última pergunta a fez ficar vermelha e nervosa. Foi o pai quem respondeu à pergunta, também nervoso.

- Claro que ela não tentou se matar! – elevou a voz indignado.

Dante baixou a prancheta e olhou para a janela fechada.

- São só perguntas de praxe quando há uma ocorrência assim...

- Eu não tentei me matar. – a voz de Anya saiu baixa e trêmula. E se ela tivesse mesmo tentado se matar? Não se lembrava de nada! Ainda não sabia como tinha ido parar na praia!

- Ótimo. – Dante concluiu mantendo a prancheta ao lado do corpo. Ele estava estranho... ao mesmo tempo em que queria sair dali, parecia que seus pés estavam concretados no piso, impedindo-o de movimentar as pernas. A sensação era estranha e o deixou ainda mais tenso.

Denise retornou ao quarto com uma bandeja com suco de laranja, algumas torradas e uma barra de cereal. Novamente o olfato de Anya captou o aroma que saía da enfermeira e agora havia algo mais além da torta de maçã, talvez uma coxinha de frango, um brigadeiro... Por que aquela mulher comia tanto? E como ela podia sentir o cheiro do que a enfermeira comera? Anya ficou angustiada e sua boca voltou a salivar.

Dante pediu que a enfermeira coletasse o sangue e providenciasse um antitérmico antes que Anya comesse e a autorizou a tirar o soro.

- Eu... volto mais tarde pra ver como você está. – o médico falou se afastando.

- Eu não vou ter alta agora? – Anya perguntou aflita e Dante se viu obrigado a olhar para ela. Meu Deus! O que aqueles olhos queriam dele? Piscou com força antes de responder.

- Vamos esperar o resultado do exame, ok? – disse e saiu do quarto.

Anya queria sumir daquela cama. Não queria ficar mais tempo ali, queria ir para sua casa, sua cama... A enfermeira preparou a seringa para a coleta.

- O resultado sai rápido... logo, logo vai poder ir para casa. – Denise sorriu e apertou o braço de Anya com a tira de borracha, fazendo uma veia saltar facilmente e espetou nela a agulha. Os olhos da enfermeira arregalaram-se quando o sangue começou a encher a seringa. Nunca vira algo assim, nunca vira um sangue tão claro! Era de uma tonalidade quase rósea...

Edgar viu a expressão de espanto no rosto da enfermeira e olhou para o conteúdo dentro da seringa. Sentiu que empalidecia... aquilo não era possível! Não com sua filha! Não com Anya!

- Ele está claro demais, não está? – Anya olhou com desconfiança para seu sangue coletado. Tivera muitas aulas de biologia para saber que aquilo não era normal.

- Pode ser uma anemia... – Denise falou insegura enquanto injetava o sangue dentro de dois pequenos tubos de ensaio. O que disse era um chute, pois jamais, em seus dez anos como enfermeira, vira algo parecido.

Anya olhou para seu pai que se sentara, pálido, na cadeira ao lado da cama. Seus olhos estavam distantes, perdidos em algum lugar no tempo e no espaço. Ela sabia que quando ele ficava assim era por que pensava na mãe dela...

Quando a enfermeira saiu, o quarto ficou em silêncio e Anya fitava o teto sem saber o que fazer. Estaria morrendo? Estaria com algum tipo de câncer? Como poderia deixar seu pai sozinho? Não conseguiria terminar a faculdade? As lágrimas escaparam de seus olhos. Nunca viajara para lugar nenhum! Queria tanto ter conhecido a Itália, a França ou outro lugar qualquer! Montar seu bistrô! E agora não haveria mais tempo...

- Não vai ser nada, filha. – a voz do pai soou ao lado dela e a fez se virar. Lá estava ele de novo, firme, com o olhar preocupado, mas tentando passar-lhe confiança. Era incrível o poder que ele tinha... – Vai ver é muito sal... – ele entortou os lábios em um sorriso fraco. – Tomara que não fique hipertensa... – brincou e ela enxugou as lágrimas do rosto. – Que tal tomar esse lanchinho, agora? – ele apontou para a bandeja ao lado da cama.

- Não... estou com fome, pai... – ela falou se ajeitando na cama. – Estou só... cansada... – falou fechando os olhos. Que sono era aquele agora? Já não dormira o suficiente desde o... acidente? Mas era incontrolável! Suas pálpebras não conseguiam se manter abertas... seu corpo pulsava mais lento agora... era como se sentisse a ação metabólica de seu corpo... – com sono...

Edgar beijou a testa dela e suspirou. Não poderia enfraquecer agora.Pegou o celular e discou um número que não estava guardado ali na agenda, mas do qual ele se lembrava perfeitamente.

Uma voz grossa e rouca atendeu do outro lado.

- Ivan? – Edgar sentiu que sua voz tremeu.

- Ed? – a voz falou surpresa do outro lado.

- Vou precisar de você... mais uma vez... – ele olhou para a filha com lágrimas nos olhos.

- Anya? – Ivan parecia ter despertado e sua voz ganhou tom de urgência. - Onde você está?

- No Hospital Ana Néri...

- Tô indo. – Ivan falou e desligou e telefone.

Edgar se sentou apertando o celular na mão e abaixou a cabeça derrotado...